UAI: A subida do Pico do Papagaio

Adicionada em 21 de setembro de 2015

E as inscrições para a UAI 2016 já estão abertas. Ainda não consegui recuperar a tendinite no meu tornozelo direito devido às 45h dessa prova, mas já confirmei a minha participação na próxima edição. E vamos lá, agora com mais experiência, encarar os 235 km pela Estrada Real, na Serra da Mantiqueira.

Vou começar exatamente do ponto que parei meu relato anterior, com  a primeira parte da UAI . Seguimos, aproximadamente às 2h da manhã do dia 04 de julho, subindo o temido Pico do Papagaio, com cerca de 90/100 km de prova, eu, Vera Saporito e Alex Vicintin.

Fomos subindo, alternando entre corrida leve e caminhada, fazendo uso dos trekking poles, pois a subida era puxada e o frio também se intensificava. Na minha cabeça, eu ainda pensava na estupidez da minha queda antes do Pico e temia ser ultrapassada pela Fabíola, que tinha ficado para trás.

Seguíamos. Fomos ultrapassados por um atleta e perguntamos da Fabíola. A informação era que ela havia parado para dormir. Embora tenha ficado mais tranquila em seguir em frente, percebi com clareza o quanto havia sido desnecessário apertar a corrida, minha queda e, o pior, ter me apressado para subir o trecho mais difícil da prova com pouca comida e agasalhos. A sorte foi que o Alex conseguiu encher duas caraminholas com um suplemento “levanta defunto”, que ele havia comprado na Europa e que rendeu um bom tempo de bate-papo sobre o tal suplemento durante a subida.

Fui tomando o tal suplemento e ouvindo meus amigos falarem. Eu já estava cansada fisicamente, o frio e a noite dão uma “baixada de bola” natural. O pior era o sono. Eu que não havia dormido na noite anterior à largada, agora tinha um corpo que cobrava o preço.
Finalmente depois de 3h aproximadamente chegamos no topo e para nossa surpresa o PC era realmente uma casa e havia sopa e café e água para nos abastecer. Chegada a hora de tentar ir no banheiro… e nada! Meu estomago e intestino já davam sinais de não estarem bem.
Mesmo assim, me sentei, tomei a sopa — enquanto o Alex (coitado) tentava limpar meus pés — e como estavam muito inchados e machucados, decidimos trocar a minha meia de compressão pela meia que a Vera estava usando. Nos aquecemos com a sopa e demos risada da situação: o Alex tomando sopa e limpando meu pé ao mesmo tempo e a Vera falando para eu voltar no banheiro para tentar “fazer um número2”…

Eu estava bem. Tirando o sono e dores nos pés, eu estava muito bem.

Ficamos cerca de 20 minutos na casa e chegou a Valderes com seu pacer. Eu não a conhecia e estranhei como ela repetia que estava mal e ressaltava que eu estava muito bem. Comentou que já tinha feito a UAI diversas vezes, mas que não sabia o que estava acontecendo, por estar se sentindo “estranha”. Olho para o prato de sopa dela e nesse instante, ela joga açúcar na sopa. A Vera se adianta e passa o sal para Valderes , que também coloca um porção.

Troco olhares com a Vera e o Alex e já era hora de partirmos. Seguimos descendo e, logo, a Valderes com sua dupla nos ultrapassam numa velocidade absurda. Ela não estava mal como comentou e percebemos claramente que se tratava de uma estratégia de prova.

Seguimos na tentativa de alcançá-los. A descida do Pico do Papagaio é extremamente íngreme e escorregadia, repleta de pedras lisas, o que torna a descida mais lenta. Eu preferi me poupar ali, para não me machucar e completar bem a prova. Desci com cuidado, junto com o Alex e a Vera. Fomos conversando para distrair e quebrar a tensão de alcançar a Valderes. Não sei se foi uma boa estratégia, mas vimos luzes do headlamp deles na metade da descida. Como falávamos alto, creio que nos escutaram e desligaram o headlamp para abrir distância de nós.
Meu sono era insuportável. Eu descia olhando para o lado para ver onde eu poderia deitar e dormir. Pensava que 15 minutos seriam o suficiente, mas eu realmente precisava dormir. Avistei uma casa, um local de lixos… implorava para meus amigos deixarem eu ficar lá, mas a Vera gritava “porra, você não vai deitar aí, vai ter hipotermia. Não vamos deixar”. Cheguei a ponto deles virarem de costas e eu estender o agasalho no meio da trilha e deitar no frio (risos). Depois das gargalhadas (de ambos), me colocaram para “correr”, mas do chão.

Já clareava e o sono melhorava um pouco. No final da descida, encontramos todos os amigos do apoio: Carlos Mó, Ursula, Taka e Marcellão, com uma maca aberta e alguns cobertores. Me deitei, estava molhada de suor e meus amigos começaram a tratar dos meus pés. Tentava dormir, mas não conseguia mais.

Troquei de roupa, comi um lanche e uma barra de proteína e suplementos. Estava com muito sono e não entendia porque eu não conseguia dormir. Seria porque havia clareado? O frio? Perguntei para o Carlos Mó quanto tempo eu estava ali. E ele: 1h30. “1h30? Nãoooo. Preciso ir!!!!! Como vocês me deixam 1h30 aqui parada? Havíamos combinado uma parada de 40 minutos, certo?!”

Eu chorei igual criança. Nessa hora, era um desabafo pelo sofrimento e ao mesmo tempo pela primeira vez em duvidar que eu poderia voltar para a prova, por ter parado tanto tempo. O corpo relaxa muito e o meu psicológico havia se abalado. Vejo uma moça passar e pergunto para meus amigos quem era ela. E qual das distâncias ela estava fazendo. A Ursula me “tranquiliza” e diz que é da categoria solo survivor (sem apoio). Portanto, eu estava ainda na 2ª posição, atrás da Valderes com 150 km de prova.

Reuni todas as forças possíveis e impossíveis que eu tinha naquela situação. Meus músculos estavam duros, minha cabeça pedia para parar, para descansar de vez… para dormir.

Mas eu estava lá com um propósito e segui caminhando. Pedi para ninguém me acompanhar. Precisava seguir sozinha. Avaliar se eu queria (e se poderia) completar aquela prova. Estava quebrada psicologicamente.

Comecei a trotar e passei por dois atletas que estavam na categoria solo. Eu procurava me animar, pensar em tudo que suportei até ali e que, agora, faltavam menos de 100 km para concluir nosso objetivo. Sim, eu pensava na equipe. Seria terrível para eles se eu desistisse. Seria frustrante para meus pais, minha família e para meus amigos. Eu precisava dormir.

Pedi para a Ursula, que vinha com o carro logo atrás, para eu dormir 15 minutos. Deitei n o banco da frente, e tocado o alarme segui. Não consegui dormir, mas havia conseguido relaxar um pouco mais. Segui sem os pacers e o tempo todo procurava me animar, dizer para mim que conseguiria alcançar a Valderes.

Estava recuperada do desânimo e o dia alternava entre sol e frio. Mas era um sábado muito bonito. Pelos meus cálculos, chegaria em Passa Quatro no final da tarde. Embora tenha ficado 1h30 parada, cuidando dos pés, se conseguisse manter o ritmo, chegaria muito bem.
Mas nada sai exatamente como planejado. Tema para o próximo post, no qual contarei as últimas horas para finalmente concluir um sonho, a UAI.

Bons treinos!

Vivian Pavão

Vivian Pavão

Corredora há mais de 15 anos, fez sua primeira maratona aos 20 anos, conquistando o terceiro lugar em sua categoria, e não parou mais. Já praticou diversos esportes, mas atualmente dedica-se à corridas de montanha. Entre as maiores conquistas está o primeiro lugar Geral no Desafio das Serras em dupla mista, prova de 80 km, e o primeiro lugar geral da Copa Paulista 50 km em Paranapiacaba, em 2015.

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